Dirigido por Angelisa Stein, o filme Fremd, O Estrangeiro é um documentário que versa sobre a necessidade de migrar. O projeto do curta-metragem documental foi contemplado pela lei emergencial Aldir Blanc e as filmagens foram finalizadas em fevereiro deste ano. A mais nova produção da Valkyria Filmes encontra-se em fase de finalização e sua estreia está prevista para o final de 2021.

O impulso inicial para realizar o filme partiu da inquietação da diretora Angelisa Stein ao encontrar o passaporte alemão de seu bisavô, Mathias Stein, que chegou ao Brasil no fim do século XIX por conta de uma promessa de terra. O passaporte foi o único documento material remanescente de Mathias, uma vez que durante o Estado Novo e a Nacionalização, muitos imigrantes alemães queimaram suas documentações por receio de serem expulsos do Brasil. Ele, como o filho primogênito de sua família, herdou um pedaço de terra no Rio Grande do Sul distante da capital, na colônia de imigrantes alemães de São Leopoldo. Sua viagem de navio ao Brasil durou cerca de três meses. No percurso, seu irmão não resistiu e morreu a caminho. Já em terra firme, sua sobrinha também acabou não resistindo ao trajeto a pé, e o restante da família ficou na Alemanha. Essa história é contada pela perspectiva dos familiares do bisavô Stein na parte inicial do documentário. Um dos relatos é de um parente que não migrou, e fala sobre a Alemanha da época, que se constituía por Estados fragmentados, unificados posteriormente por Bismarck em 1871. Além disso, também há o relato da neta brasileira de Mathias Stein. Sobre o uso de material de arquivo no filme, Angelisa enfatiza a dificuldade de encontrar registros da época e diz que “alguma coisa a gente vai usar. Temos fotos ilustrativas, mas a imagem em movimento da época é um pouco mais difícil”.
Para costurar o filme com uma perspectiva acadêmica sobre os processos migratórios, o filme contou com a contribuição de diferentes pesquisadores. Historiadores começaram suas análises no início do século XIX e depois partiram para o século XX. Durante esse período, discutem os deslocamentos e a ideia de colônia, adaptada pelo político e estadista José Bonifácio. Também no filme, a professora de sociologia e antropologia da UERJ, Joana Bahia, discute o processo civilizatório e a formação das colônias no século XIX. Ela se refere a este processo como um esforço de guerra, e até mesmo um “esforço de morte”. Inseridos neste contexto histórico, muitos dos migrantes não resistiram ao trajeto, e os que chegavam ao destino, eram entregues às colônias sem apoio. Muitos chegavam com suas próprias enxadas para trabalhar como agricultores e se auto organizavam para enfrentar uma realidade dura. Aqueles que vinham da Alemanha, chegavam de um cenário sem perspectivas e com muitas mortes das guerras napoleônicas. Neste mesmo momento, por pressão da Inglaterra para abolir a mão de obra escrava, o Brasil iniciava um projeto racista de trazer migrantes brancos para suas terras. O prof. dr. Mohammed Elhajji, idealizador do oestrangeiro.org, contribui com o debate no filme. Ele argumenta que este movimento migratório fez parte de um processo laboratorial de civilização, que partiu de um imaginário europeu com o intuito de branquear o país.

Segundo Angelisa, a troca com os professores durante a realização do filme fez ela enxergar que a questão migratória perpassa muitas camadas da sociedade. A diretora se pergunta agora: “como se colocar contra esses movimentos em massa? Uma vez que nós, no Brasil, especificamente, temos uma formação de imigrantes na nossa gênese?”. Segundo ela, a pergunta “como você exercita a empatia em relação aos migrantes?” foi uma premissa estruturante das filmagens. A complexidade do assunto fez com que a diretora pensasse que não se tratava mais de um filme pessoal, embora ela mesma agora também seja uma migrante que vive em Londres. Com essas questões em mente, o documentário atravessou o tempo e seguiu para entrevistas com cinco migrantes latinos e africanos vivendo hoje no Brasil. A seleção dos entrevistados foi realizada pelo grupo de pesquisa Diaspotics – Migrações Transnacionais e Comunicação Intercultural. Essas entrevistas foram todas filmadas no Armazém da Utopia, na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. Além de carregar a simbologia do porto, foi um ambiente grande e seguro para as gravações por conta da pandemia.

Para a roteirista do filme Kiti Soares, o mote do filme foi a motivação de “migrar por uma necessidade” quando a conjuntura do seu país não está favorável. Explica, ainda, que no segundo momento do filme elas optaram por não entrevistar imigrantes europeus pensando em um recorte contemporâneo. “Exatamente porque não existe hoje na Europa uma condição que faça as pessoas migrarem por necessidade”. O que existe agora são haitianos, latino-americanos de modo geral, buscando melhores condições de vida. Ambas, Kiti e Angelisa, enfatizaram que é preciso desmistificar alguns mitos. Primeiro, que o estrangeiro tira postos de trabalho. Segundo, que o brasileiro é um povo acolhedor. A roteirista diz perceber em todas as falas dos entrevistados “que o povo brasileiro não é exatamente acolhedor com o estrangeiro. Ele não chega a ser xenófobo, mas é racista. Então, se o estrangeiro tem um fenótipo indígena ou é negro, ele não é bem-vindo no país”. A diretora acrescenta que, quando um estrangeiro lembra a nossa ancestralidade, já não existe mais tolerância.
O entrevistado haitiano Bob Selassi falou que o filme foi importante para ele se reconectar com quem ele era antes de migrar. Elas observaram que Bob traz uma história de consciência muito forte sobre os direitos dele e do que é ser imigrante. Isso tem origem na própria história do Haiti, pensando que o governo daqui tinha medo da revolta de escravos como aconteceu em São Domingos. Para Kiti e Angelisa, Bob foge do imaginário do migrante. “Ele ganhava melhor no Haiti do que aqui, mas ele chegou ao Brasil por conta do terremoto, e por precisar de ajuda para fisioterapia”. Bob chega aqui em 2010, e conta que levou 6 anos para conseguir um visto que o permitisse trabalhar.

Ambas disseram que todas as trocas no filme foram muito sensíveis. O entrevistado hondurenho Daniel Alejandro está realizando o sonho dele de ser artista. O angolano Mamede Alberto possui uma história curiosa, e é perceptível o quanto ele sente falta da família, não vê a mãe há anos e sonha em trazê-la para o Brasil. A colombiana Bibiana Angel conta que falaram para ela na comunidade em que vive que ela não poderia estar ali, por estar tomando o emprego dos brasileiros. Mas, ela afirma gerar emprego, e fala com bom humor “eu só emprego estrangeiro, imigrante”. Há nove anos ela gerencia uma pousada no morro da Babilônia, no Rio de Janeiro, gerando empregos.
Chamou a atenção da Angelisa: “acaba que a mídia dá algum destaque para a imigração, mas o volume de migrantes no mundo representa cerca de 3,5%, em números absolutos. O que daria mais de um Brasil inteiro.” Esse número é comparativamente ínfimo em relação ao mundo. Normalmente o imigrante colabora na economia, gera impostos, e contribui inclusive para o sistema previdenciário. É uma ideia equivocada do senso comum que o migrante vem para tirar trabalho. A roteirista Kiti observa que talvez a gente não tenha políticas muito amistosas para os migrantes, mas quando eles vão para um contexto social de comunidade, eles se encontram na solidariedade existente nesses lugares. A equipe do filme perguntou para todos eles sobre se já tinham presenciado questões de animosidade. “Em geral, eles comentam que particularmente não, mas que eventualmente eles sabem de alguma história envolvendo alguém”. Kiti complementa que “todos os 11 pré entrevistados para o documentário comentaram saber de maus tratos da Polícia Federal”. É notório que muitos migrantes não entram por Guarulhos porque sabem que a Polícia Federal pode detê-los e mandá-los de volta. Então vão até um extremo do país, e embora tenha uma lei que permita que se peça asilo, a própria Polícia Federal pode não vir a cumprir essa lei. Mas a Angelisa enfatiza que o documentário não entra nessas questões políticas específicas. Isso, quem sabe, fica para um longa-metragem.
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Desde que ouvi sobre a produção do documentário fiquei muito interessado. Quando nada por ter bisavós imigrantes alemães. E pelo descrito tenho certeza que este trabalho virá contribuir para termos uma compreensão bem maior de toda a importância do assunto. Desejo muito sucesso para os realizadores, e desde já fica minha admiração pela realização êxitosa, durante tempos tão inóspito. Parabéns.
Paulo Simões, muitíssimo obrigada pelas gentis palavras! Esperamos em breve terminar o filme e começar a circular com ele. Acompanhe nossas redes sociais @fremd_o_estrangeiro com novidades frequented sobre o andamento do filme que queremos que vc assista nosso filme logo que possível! Forte abraço! Angelisa