A educação é um dos direitos fundamentais que devem ser assegurados aos refugiados que escolheram o Brasil como destino. A lei nº 9.474/97 estabelece que o Brasil, enquanto Estado, deve garantir a proteção dos refugiados assumindo obrigações internacionais e defendendo-os como cidadãos plenos de direitos.

Entretanto, o direito à matrícula, por si só, não garante a efetiva inclusão desses sujeitos no espaço escolar, já que esta nem sempre pressupõe o atendimento a tantas outras necessidades pedagógicas inerentes à condição de refúgio, tais como o acolhimento afetuoso, o respeito à diversidade sociocultural e às formas de sociabilidades praticadas por esses sujeitos, o uso do idioma etc. 

Mural da Feira de Africanidades. Acervo pessoal

Neste sentido, o direito à educação que deve ser garantido às pessoas em situação de refúgio vai muito além da formalização da matrícula em unidade escolar, devendo contemplar tantos outros aspectos sociopedagógicos que promovam novos olhares para esses sujeitos, a partir da bagagem cultural que trazem consigo dos seus países de origem. A escola continua sendo um espaço de violência simbólica que reproduz preconceitos, onde a discriminação social se apresenta de forma latente. O relato de alguns alunos e alunas em situação de refúgio demostra a insegurança e vergonha de transparecer suas origens, contribuindo para o silenciamento dos sujeitos e o apagamento de suas culturas. 

Diante de tal conjuntura, é importante dar visibilidade às práticas pedagógicas que buscam contribuir para a almejada equidade no espaço escolar, através de ações inclusivas e antirracistas. Dentre estas, destacamos o projeto político pedagógico de uma escola publica localizada no município de Duque de Caxias/RJ, na região conhecida como Baixada Fluminense, que recebe alunos refugiados africanos desde 2015. 

Bonecos da África. Reprodução

A constatação de atitudes preconceituosas contra os alunos em situação de refúgio mobilizou a equipe pedagógica e o corpo docente da unidade escolar para a proposição de ações de enfrentamento às diferentes formas de discriminação observadas. Foi identificado que, mesmo se tratando de um bairro pobre cuja população é predominantemente negra, a discriminação contra os alunos oriundos da Angola e da República Democrática do Congo causava toda forma de constrangimentos, provocando ora respostas agressivas, ora silenciamento das vítimas por medo ou vergonha de sua condição. 

Deve-se ressaltar que a intolerância promovida contra os alunos estrangeiros se apresentava de forma interseccional, na qual várias formas de opressão relacionavam–se: a de origem africana, o desconhecimento da “língua portuguesa brasileira”, a situação de vulnerabilidade e raça/etnia.

Por meio do debate sobre o característico desconhecimento e apagamento da cultura africana na sociedade brasileira, foi percebida a urgência de incluir esta pauta no currículo escolar, buscando atender não somente a Lei nº 10.639/96, mas as necessidades pedagógicas dos alunos africanos.

Máscara e tecidos. Acervo pessoal

O ponto de partida para essa mudança de rumo foi um evento festivo promovido pela Secretaria Municipal de Educação. Cada unidade escolar levou seus alunos imigrantes e refugiados e estes tiveram a oportunidade de apresentar um pouco de suas culturas. Deste modo, foi possível compreender a importância de fomentar na escola a valorização das culturas, tradições, crenças e costumes dos países de cada um desses alunos.

A volta para a escola foi marcada pelo desejo de que as experiências vivenciadas naquele encontro pudessem ser incorporadas ao projeto político pedagógico e ao cotidiano escolar como um todo. Uma grande Feira de Africanidades passou então a ser realizada anualmente, a fim de congregar as diversas atividades pedagógicas desenvolvidas ao longo do ano letivo, sendo também um momento de celebrar a cultura afro-brasileira e toda a herança cultural dos países africanos. Neste sentido, a Feira de Africanidades passou a estimular na escola o desenvolvimento de projetos teatrais, contação de histórias, rodas de conversa e diversas oficinas artísticas como capoeira, trancistas, confecção de turbantes, bonecas Abayomi, culinária típica, entre outros aspectos da cultura africana.

A produção de conhecimento e o empoderamento dos alunos estrangeiros não foram estanques e nem restritos ao evento e a escola. Alunas angolanas e filhas de africanos soltaram sua voz em Lingala (língua de origem africana falada na RDC e em Angola) de forma tão linda e singular que foram convidadas a gravarem um mix no estúdio de uma rádio universitária local. Foi um sucesso! O momento rendeu a elevação de autoestima e reconhecimento desses sujeitos no espaço escolar. 

Expressões. Acervo pessoal

A inserção da Feira de Africanidades no calendário escolar, em consonância com a prática pedagógica desenvolvida ao longo de todo o letivo, suscitou novos olhares sobre os estudantes em situação de refúgio e sobre a cultura afro-brasileira. Esta experiência, portanto,  inspirou novas ações e projetos que estimulou o fortalecimento dos vínculos desses sujeitos com a escola e com a comunidade escolar como um todo, promovendo a vivência de experiências educativas significativas que favoreçam o processo de ensino e aprendizagem e o efetivo acolhimento desses estudantes no espaço escolar. Para escola, fica o legado de tratar os eventos festivos não como ações objetivas em si mesmas, mas como produções de conhecimento que  reverberem em práticas educativas cotidianas , que busquem inserir refugiados e imigrantes.

Referências

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm 

Renan Saldanha Godoi e Viviane Penso Magalhaes

Orientadores pedagógicos e educacionais da E.M. Barão do Rio Branco – IPMDC.

Doutorandos em Educação do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal Fluminense