“Malala era uma menina que queria ir para escola.
Mas, no lugar onde vivia, isso era proibido. Livro,
só escondido. No caminho para escola havia
muitos perigos. Riscos inimagináveis, de morte
até.” (pag. 9)

Este foi um trecho do livro Malala, a menina que queria ir para escola, que impactou alunos de uma escola pública do município de Duque de Caxias, localizado na região metropolitana do Rio de Janeiro. A partir de uma atividade realizada na disciplina de Língua Portuguesa, a professora Danielle Nunes se surpreendeu positivamente com o resultado do trabalho realizado com o livro, que fez parte da campanha do FNLD – Programa Nacional do Livro e do Material Didático do governo federal, de 2022.

Com o objetivo de incentivar a leitura, possibilitando entretenimento e conhecimento aos alunos, Danielle planejou suas aulas baseada na leitura do livro com os estudantes. Além dos objetivos contidos em seu componente curricular – a língua portuguesa – também enxergou a necessidade de levar ao ambiente escolar o debate sobre pessoas refugiadas. O fato de ministrar aulas em um bairro que possui histórico de receber refugiados e imigrantes africanos, e ter lecionado para muitos deles, proporcionou à professora um olhar mais cuidadoso e responsável em relação ao tema da migração.

Material produzido pelas alunas e alunos. Reprodução vídeo Danielle Nunes.

O bairro de Gramacho, no município de Duque de Caxias, recebe imigrantes e refugiados de origem africana desde os anos 1990. Esta década apresentou um expressivo número de solicitações de refúgio, no Brasil. A chegada destes estrangeiros em condições de vulnerabilidade social fez com que buscassem abrigos e moradias em regiões periféricas, onde o custo de vida era mais acessível.

Angolanos e congoleses, da etnia Bakongo, chegaram ao Rio de Janeiro em busca de refúgio, devido a guerras civis, perseguições religiosas, ataques de milícias, entre outros tipos de violência que afetavam suas integridades físicas. Com o tempo, estes africanos conheceram e vieram morar em Duque de Caxias, tornando o bairro de Gramacho um local de encontros, reencontros e abrigo para muitas famílias que deixaram seus países de origem, na busca de uma vida melhor.

Esta curiosidade sobre o bairro se destacou na realização do trabalho da professora Danielle. Como os alunos não conheciam a história de Malala, nem possuíam conhecimentos sobre o tema refúgio, fazer a relação das realidades, mesmos que distintas, impulsionou a produção dos trabalhos.

Material produzido pelas alunas e alunos. Reprodução vídeo Danielle Nunes.

Após a leitura da história e dos debates promovidos em sala de aula, a professora propôs a confecção de livrinhos com a releitura da trama. Materiais escolares como folhas de papel, tesouras, cola e lápis coloridos aguçaram a criatividade das crianças na confecção dos livrinhos de histórias. A proposta era uma releitura no formato de história em quadrinho. O engajamento dos alunos nas atividades foi tão positivo que rendeu uma exposição na qual os trabalhos foram expostos para todo o corpo social da escola.

Para os estudantes que produziram os livros, o que mais chamou atenção foi o fato de Malala ser proibida de ir à escola e quase ser assassinada pela vontade de aprender. Curioso pensar, que diante do relato de tanta violência narrada na história, as crianças tenham sido afetadas diretamente pela proibição de estudar.

A escola é localizada em uma área periférica do município de Duque de Caxias, que frequentemente convive com o medo da violência urbana, das guerras entre facções rivais e milícias, mas nem por isso crianças e adolescentes deixam de frequentar as escolas da região. Mesmo que por vezes as aulas sejam suspensas devido aos perigos sinalizados no entorno, a escola está lá, pronta para ser acessada a qualquer momento.

Com redemocratização, a educação brasileira, a escola, passou a ser mais acessível, sua existência se consolidou pela garantida constitucional da lei, dando mais oportunidades às crianças e adolescentes, tendo como finalidade específica produzir conhecimento com e para o corpo discente. Talvez, pela certeza da existência desse espaço acessível e garantido por lei, se justifique o espanto ou comoção das crianças, ao saberem de histórias reais de outras crianças e jovens que tenham esse direito, tão transformador, negado.

Imagem do post: capa do livro “Malala, a menina que queria ir para a escola”, de Adriana Carranca. Reprodução.

Referências

CARRANCA, Adriana. Malala, a menina que queria ir para escola. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

MAGALHÃES, Viviane Penso. Bilenge na Botongi: experiências escolares de jovens em contexto de refúgio. 2023. 177f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2023. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/29992