Redes sociais incitam a agredir missionários peruanos em Bauru.

“Atenção bauruenses, tem um grupo de peruanos ou bolivianos visitando casas dizendo que fazem pesquisas e vendem livros. Perguntam sobre os moradores e se tem crianças na residência. Vão embora e depois voltam para sequestrar as crianças e vendem os órgãos”.

Esta mensagem marcou esta segunda-feira (02/02) e foi bastante compartilhada nas redes sociais e no aplicativo de celular WhatsApp. As visitas desses estrangeiros realmente aconteceram em diversos bairros de Bauru, o que causou temor em moradores. Porém, o intuito está bem longe de sequestro. Os estrangeiros são, na verdade, universitários da Universidade Adventista do Peru que chegaram na cidade para participar do projeto universitário “Viva Melhor”.

De acordo com Guilherme Caramel Marques, ancião da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Bauru, o projeto consiste em receber no mês de janeiro estudantes estrangeiros e brasileiros da Universidade Adventista para realizar trabalhos missionários em Bauru e região, como Ibitinga, Pederneiras e Presidente Prudente.

“Este mês estamos com um grupo de 55 universitários, tanto peruanos quanto brasileiros que estudam na unidade de São Paulo, que vendem livros e revistas para família sobre saúde e qualidade de vida, além de um material específico para crianças. Por isso perguntam sobre a qualidade de vida, se os moradores são casados e se existem crianças para oferecer literatura infantil. O dinheiro das vendas os ajuda a pagar o semestre da faculdade e a igreja os auxilia durante esse período. É um projeto antigo e desenvolvido na América do Sul”, disse.

Espalhou

Os universitários, de diversos cursos, são munidos de crachás com foto, nome, nome da universidade que representam e informações de seus documentos de identidade.

Há uma responsável pelo grupo que organiza os horários e os bairros que os estudantes irão vender os livros.

“Tudo é muito organizado. Há um crachá para que os moradores saibam que estão recebendo em suas casas. Todos eles estão regularizados aqui no Brasil e têm autorização para fazer o trabalho missionário”, acrescentou Guilherme.

Para Romilda Pereira, que é funcionária da Universidade Adventista de São Paulo (Unasp) e responsável pelo grupo de estrangeiros, o boato foi uma surpresa.

“Para nós foi uma surpresa porque não tem nada a ver com nosso trabalho. Foi a primeira vez que veio uma quantidade maior de peruanos, mas não imaginávamos que ia surgir essas mensagens. Ficamos bastante chateados porque ninguém perguntou a fonte e também ficamos preocupados como os moradores irão recebê-los após essa história”, disse.

A reportagem mostrou o vídeo compartilhado que mostra uma peruana em uma residência na alameda Cônego Aníbal para Romilda e Guilherme.

Ambos confirmaram que a mulher era integrante do grupo. “Ela faz parte do grupo, sim. Muito triste saber que o boato se espalhou dessa forma”, disse Romilda.

‘Somos da fé’

Joel Palomino, de 25 anos, é peruano e estudante de psicologia. Desde o início da faculdade participa do projeto e já realizou esse trabalho missionário em outros países, como Bolívia, Equador, Argentina e Chile.

“Desde o início da faculdade participo do projeto e é ótimo. Vamos em casas e empresas com o foco de prevenção de doenças, ajudar famílias e procuramos ajudar a comunidade para ler os livros. Muitos não podem comprar o material, mas ajudamos como prevenir doença e ajudamos as famílias com palavras. Por isso, nós perguntamos se tem algum filho na casa ou como é a qualidade de vida. Não são perguntas de maldade”.

Para o universitário, o boato fez com que os estrangeiros se sentissem mal. “Eu fiquei muito preocupado quando fiquei sabendo, mas sei que Deus está no controle. Sei que esse boato prejudica, mas tudo acontece por algum motivo. Somos pessoas da fé e, por isso, continuaremos saindo nas ruas”.

‘Acreditaram’

A estudante Maria Jucimara Cruz Silva, 20 anos, é brasileira, mora em São Paulo e cursa fisioterapia na Unasp. O boato a surpreendeu.

“Eu participo desde quando entrei na faculdade e é uma maneira de crescer intelectualmente e espiritualmente, além de passar conhecimento. Eu não esperava esse boato. Já estive em Bauru e nunca teve problema. Infelizmente, dessa vez, as pessoas acreditaram nesse boato”, disse ao JC.

‘Vírus’

Keila Schiavo, 35 anos, é moradora da quadra 21 da rua Coronel Alves Seabra, Vila Bom Jesus, e recebeu a visita dos peruanos semana passada. Ao ver a mensagem, ficou com muito medo. “Minha mãe atendeu um casal de peruanos que disse que era evangélico e vendia livros. Os dois fizeram perguntas sobre a qualidade de vida, saúde e sobre meus sobrinhos que estavam em casa. Meu pai até ficou bravo com ela porque eles entraram. Foi então que recebi a mensagem no WhatsApp que falava que eram sequestradores. Fiquei apavorada quando vi”, disse.

Uma moradora do Parque Vista Alegre, que preferiu ter a identidade preservada, contou que duas mulheres foram até sua residência e disseram que estavam fazendo uma pesquisa sobre nutrição infantil e tinham livros para vender. “Uma delas era do Peru e disse que fazia faculdade de nutrição e a outra fazia psicologia. Tinham crachás e pareciam convincentes. Fizeram várias perguntas sobre os meus sobrinhos e não gostei.”

Daniele Malmonge, 34 anos, também é moradora do Parque Vista Alegre e comprou a revista dos peruanos. “Eles vieram aqui e comprei a revista sobre saúde. Na hora não tinha dinheiro e eles voltaram para receber. Quando soube do boato, achei estranho. Se eles quisessem realmente saber se havia criança e sequestrar, não voltariam para pegar o dinheiro.

De qualquer maneira, fui atrás para saber se era verdade”, contou.

Alerta em duas frentes

Para Luiz Roberto Saúd Bertozzo, coordenador da Central de Polícia Judiciária (CPJ), é difícil tipificar a mensagem que circulou pelas redes sociais criminalmente porque é como um alerta. “Não está imputando um crime. Então acho difícil tipificar uma conduta de alguém como crime ao enviar uma mensagem de alerta. A não ser se houve pedido de resgate ou dizendo que teve o sequestro.

Tem uma contravenção penal que autua quem gera tumulto, mas está em desuso isso e, por causa das redes sociais, é difícil tipificar isso na contravenção. Mas, as pessoas devem ficar alertas com o que recebem na Internet e também quem recebem em suas casas”. Nenhum boletim foi registrado e o que se aconselha é que os responsáveis pelo trabalho comunitário façam divulgação do que realmente é para tranquilizar.

Polícia Militar: mil ligações

O boato se propagou de tal forma pelas redes sociais, que o vídeo teve mais de 500 compartilhamentos e mensagens pelo WhatsApp foram compartilhadas em diversos grupos. Compartilhamentos incitavam mensagens de agressão contra peruanos. E, assim, muitos bauruenses passaram a ligar no telefone de emergência 190. “Recebemos mais de mil ligações. A maioria era queria saber se era verdade ou não e se íamos patrulhar”, conta o sargento supervisor do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), Aguinaldo Rodrigues.

Paola Patriarca

(JCNET – 02/02/2015)