Este é o segundo texto da Série MITRA no Rio, na qual O Estrangeiro publicará, ao
longo dos meses de dezembro de 2019 e janeiro de 2020, depoimentos de alunos do
Mestrado MITRA – Migrações Transnacionais, da Universidade de Lille III que fizeram
intercâmbio na Universidade Federal do Rio de Janeiro. As matérias contarão, entre
outras coisas, de onde essas pessoas vêm, como era a visão que esses migrantes
tinham do Brasil, por que escolheram vir para cá, como foram suas experiências no
país e quais foram os temas de suas pesquisas. A produção é de João Paulo Rossini,
mestrando associado ao Diaspotics/UFRJ.

A publicação de hoje é uma entrevista com Anaëlle Poulet.

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Anaëlle Poulet é francesa da cidade de Bessancourt, que fica a meia hora de Paris e
tem aproximadamente 7 mil habitantes. Formada em Sociologia, seu interesse pelas
migrações se deu inicialmente durante a graduação, quando fez um intercâmbio
Erasmus na Universidade de Copenhague.

Enquanto estudava na Dinamarca, em 2016, Anaëlle teve aulas sobre as migrações
transnacionais e fez uma pesquisa sobre a integração social dos refugiados na capital
do país. À época, ela também realizou trabalho voluntário em uma associação que
promovia atividades culturais para refugiados e dinamarqueses. Segundo ela, a maior
parte dos indivíduos chegando em Copenhague no período em que esteve lá era de
origem síria.

O Mestrado MITRA e a pesquisa sobre migrações no Brasil

Antes de participar do processo seletivo para o MITRA – Migrações Transnacionais, a
francesa já havia começado um outro mestrado sobre a organização de eventos
culturais. A dissertação que estava escrevendo tinha como base o papel da cultura
para a integração dos migrantes.

Anaëlle ficou sabendo do mestrado MITRA a partir da dica de um amigo, buscou mais
informações na internet e acabou sendo selecionada para a promoção 2018-2020. Sua
proposta de pesquisa inicialmente tinha um tema parecido com o da pós-graduação
interrompida, mas ela declara: “Quando eu cheguei aqui no Brasil, eu vi que a situação
é bem diferente da França”. No momento, a estudante está explorando as outras
possibilidades de pesquisas sobre as migrações no país.

No momento, Poulet acabou de finalizar o primeiro dos dois semestres que passará no
Rio de Janeiro. Ela percebe algumas diferenças entre a forma como as migrações são
tratadas na Europa e aqui no Brasil. “Lá na França e na Europa, a situação da migração
é bem política”, conta Anaëlle. “Eles sempre estão falando da migração, sempre tem
novas leis pra isso e acho que tem mais pessoas que trabalham nas associações que
ajudam os migrantes”, continua a mestranda.

Atualmente no início de seu trabalho de campo com as associações sobre as migrações
no Rio de Janeiro, uma de suas hipóteses é de que no Brasil as migrações são mais vistas como algo humanitário do que como um tema político: “Tem mais essa coisa
católica, também tem muitas associações católicas”. Segundo ela, também há
instituições religiosas trabalhando diretamente com a comunidade migrante na
França, mas o lado religioso ao longo dos anos foi ficando menos evidente.

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A mídia francesa, de acordo com Anaëlle, retrata os indivíduos migrantes no país de
forma negativa. Há representações dessas pessoas como gente que busca
assistencialismo do Estado, que vai roubar os trabalhos dos franceses e que
supostamente está invadindo a França. “Mas se você vê a história da França, sempre
teve muitos migrantes”, comenta a francesa. “Agora tem menos chegadas do que
antigamente”, ela completa.

A escolha do Rio de Janeiro e a experiência na cidade

Anaëlle Poulet passou os dois primeiros períodos de seu mestrado na Université de Lille III e escolheu estudar o ano restante na Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma das instituições associadas ao consórcio MITRA – Migrações Transnacionais. A escolha de vir para o Brasil se deu porque a jovem queria conhecer a América Latina, descobrir novos lugares fora da Europa e estudar os movimentos migratórios por outras perspectivas. Além disso, filha de mãe portuguesa, Anaëlle encarou a chance de estudar no país como uma oportunidade de aprender português.

Ela relata ter presenciado no Rio de Janeiro algumas situações muito diferentes das
quais estava acostumada na França, especialmente as diferenças relativas à grande
desigualdade social existente e muito visível no Brasil. Ela conta, por exemplo, ter
estado em restaurantes e eventos culturais onde não havia pessoas negras ou de pele
mais escura. Também comenta que a sociedade brasileira é muito multicultural, e diz o
seguinte: “Acho que tem a diversidade também, tenho a impressão de que tá mais
misturado”.

Os planos futuros de Anaëlle Poulet são trabalhar em uma associação relativa ao tema das migrações, mas ela ainda não tem nenhuma ideia concreta. A mestranda também considera a possibilidade de fazer um doutorado em Portugal, levando em consideração que está evoluindo no aprendizado de português e a atual necessidade de mão de obra qualificada do país europeu.