Durante a pandemia do novo coronavírus, vem ocorrendo um longo e exaustivo processo de restrição de mobilidade terrestre entre os países do continente americano. No Brasil, ironicamente, as medidas de restrição de movimento de pessoas em geral vêm se dando por mais tempo e com mais rigor do que os deslocamentos aéreos em direção ao país, que têm o potencial de trazer maiores riscos sanitários para o território nacional.
Um dos primeiros movimentos do Governo Federal foi fechar parcialmente a fronteira terrestre do Brasil com a Venezuela em Pacaraima, Roraima, no mês de março – mantendo, contudo, o tráfego de mercadorias. Foi proibida a entrada de estrangeiros pelo local durante 15 dias, medida que vem sendo prorrogada desde então. Em meados de dezembro, a Presidência da República publicou nova portaria que mantém a medida por tempo indeterminado.

As restrições à mobilidade mudaram a dinâmica da Operação Acolhida, criada em 2018 para prestar atendimento humanitário aos migrantes e refugiados venezuelanos em Roraima e organizar sua distribuição geográfica pelo país. Organizada em três eixos, sendo eles o ordenamento da fronteira, documentação, vacinação e operação de controle do Exército Brasileiro; o acolhimento, oferta de abrigo, alimentação e atenção à saúde; e, finalmente, a interiorização, que é o deslocamento voluntário de migrantes e refugiados venezuelanos de Roraima para outras Unidades da Federação, com o objetivo de inclusão socioeconômica dessas pessoas no país. Vêm atuando em Roraima servidores federais, profissionais da saúde, militares, profissionais de organismos internacionais e mais de 100 entidades da sociedade civil.
Os 12 abrigos temporários da Operação Acolhida, localizados em Paracaima e em Boa Vista, são diferentes do modelo organizacional dos campos de refugiados. Lá, os venezuelanos têm a liberdade de movimento para sair à procura de emprego ou fazer cursos de especialização. Até o dia 22 de janeiro de 2021, haviam sido realizados mais de 890 mil atendimentos na fronteira entre Brasil e Venezuela. Foram recebidos 265 mil migrantes e refugiados venezuelanos que solicitaram regularização migratória e 130 mil solicitantes de residência. Foram interiorizados mais de 46 mil migrantes e refugiados venezuelanos, em mais de 400 cidades do país.
Acolher durante a pandemia
Por conta do fechamento da fronteira e das medidas de interiorização de migrantes, houve uma diminuição da quantidade de pessoas nos abrigos da Operação. Em dezembro, havia por volta de 3 mil venezuelanos abrigados e dois dos 12 abrigos haviam sido fechados. De acordo com a coordenação da Operação Acolhida, a meta para o ano de 2021 é a interiorização de mais de 18 mil migrantes.

Os casos suspeitos de Covid-19 identificados na Operação Acolhida são encaminhados para consulta médica e isolamento no Abrigo Pricumã, que tem capacidade para 850 pessoas e fica localizado no bairro 13 de Setembro, na zona sul de Boa Vista. A unidade fica ao lado da Área de Cuidados do Hospital de Campanha, que foi inaugurado em junho de 2020 e era gerido pela Operação Acolhida. Em outubro o hospital deixou de receber pacientes e em dezembro foi assumido pelo governo de Roraima.
As entradas no Brasil não pararam
Mesmo com as fronteiras fechadas, os movimentos migratórios não param. A tendência é que, quanto maior o controle das fronteiras, mais os migrantes busquem rotas mais difíceis e perigosas para chegar ao destino desejado. É algo muito comum nos locais de grandes fluxos migratórios, como na fronteira do México com os Estados Unidos e no Mar Mediterrâneo. No caso da fronteira entre Venezuela e Brasil não é diferente.
Atravessadores brasileiros – alguns são taxistas, por exemplo – e venezuelanos atuam auxiliando os migrantes a chegarem no Brasil, por caminhos clandestinos onde é mais difícil da Polícia Federal e do Exército os localizarem. Uma vez atravessada a fronteira, existem maneiras já esquematizadas de chegar a Boa Vista. É necessário, neste momento de pandemia, achar um meio-termo entre a proteção sanitária do Brasil (narrativa oficial do Governo Federal para o fechamento da fronteira, preocupação sanitária esta muito maior do que a que vem sendo apresentada relação aos voos comerciais para o Brasil) e os fluxos migratórios que continuarão acontecendo.
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João Paulo Rossini Coelho
Mestrando na Universidade de Lille 3 e Pesquisador do Diaspotics/UFRJ