Pouco mais de um mês após assumir a Secretaria Municipal de Juventude e Cidadania de Maringá (PR), o haitiano Emmanuel Predestin falou com oestrangeiro.org sobre seus projetos no novo cargo, sua pesquisa de doutorado e a trajetória que o levou até essas conquistas. O contato com Predestin foi realizado de forma remota, mas em todo o tempo o primeiro haitiano a assumir uma secretaria do município não pareceu ser uma autoridade política tradicional e que habita o senso comum. Solícito e atencioso, o sobrenome predestinado parece lhe cair bem e serve como inspiração aos demais membros dessa relevante comunidade nacional que se formou no Brasil na última década.
Assim como muitos dos cerca de 800 mil conterrâneos, Predestin chegou ao Brasil após um terremoto abalar o Haiti atingindo 7.0 graus na escala Richter. A pobreza, que já era latente no país caribenho, intensificou-se na última década e criou um novo êxodo haitiano, agora para o Brasil, que exportava otimismo em um início de milênio animador. O costume em concebermos o imigrante como o europeu do século passado, notoriamente branco e de tradições cristãs, foi apenas em parte rompido. A pele negra do haitiano ainda busca vencer a batalha socio-racial em andamento no país e por meio de méritos e organização comunitária, imigrantes destacados como Predestin se tornam modelos de que o Brasil tende a ganhar mais do que perder com as chegadas de estrangeiros. O lado que se mantém é a tradição cristã, praticada por boa parte dos haitianos. Embora mais evangélicos do que católicos, eles compõem esse novo quadro religioso e cultural que tem crescido no país, muito devido ao protagonismo comunitário organizado em torno do pertencimento religioso e da ação social das igrejas como instituições promotoras de políticas públicas ante a ausência do Estado de bem-estar social.
Confira a entrevista:
–
Oestrangeiro: Emmanuel, um padre haitiano me disse uma vez que o melhor a fazer quando se entrevista um estrangeiro não é perguntar inicialmente de onde veio ou como chegou, mas perguntar a ele: quem é você? Então, segue a pergunta: Quem é o Emmanuel?
Emmanuel Predestin: Sou cristão, casado, pai de gêmeos, natural do Haiti, tenho pais e seis irmãos no Haiti, resido no Brasil há 10 anos, agrônomo pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Genética e Melhoramento pela Universidade Estadual de Maringá, doutorando em Biotecnologia Ambiental pela Universidade estadual de Maringá, atual secretário municipal da juventude e cidadania de Maringá.
Oestrangeiro: Você saiu em 2010 do Haiti, depois do terremoto que matou milhares de vidas. Quem mais da sua família veio e por que a escolha pelo Brasil?
E.P: Vim sozinho para o Brasil em 2010 para cursar Agronomia. Sempre tive interesse em conhecer “terra do futebol”, e quando participei do processo seletivo no Haiti para concorrer a vagas no Ensino Superior, o Brasil estava oferecendo algumas dessas vagas. Vi a oportunidade de me qualificar e realizar o sonho de vir pra cá.
Oestrangeiro: Você já conseguiu voltar para o Haiti nesse tempo? Como você descreveria esses encontros?
E.P: Tive a oportunidade de retornar uma vez em 2014. Foi muito emocionante poder rever meus pais, irmãos cunhados e sobrinhos. Ver a satisfação deles pela oportunidade que tive em estudar no exterior, e tudo estava correndo bem.
Oestrangeiro: No seu perfil do Facebook há muitos vídeos de cultos religiosos e não é uma novidade a importância que as comunidades religiosas têm na integração dos estrangeiros. Por que?
E.P: Sou cristão e participar dos cultos na nossa língua é uma forma de manter nossa tradição religiosa, permite que tenhamos comunhão entre nós, o que nos fortalece em meio às dificuldades do dia a dia de um migrante, se sentir pertencente ao povo e “em casa” mesmo fora da sua terra natal alegra o coração e acima de tudo propagar o Evangelho de Cristo.
Oestrangeiro: Você se formou em Agronomia pela UFMG e agora está concluindo um doutorado na UEM. No seu anúncio, o prefeito Ulisses Maia (PSD) lembrou que você foi considerado o melhor aluno estrangeiro do Brasil pelo MEC. Quais as particularidades que um aluno imigrante tem em relação aos outros?
E.P: A primeira particularidade é a língua. Meu país tem como língua oficial o francês e o crioulo. Então tive que aprender o Português antes de iniciar a graduação. Durante a graduação, não há diferença na avaliação entre o migrante e o nativo. Tive acesso à bolsa de mérito durante a graduação, essa bolsa é concedida a estudantes estrangeiros que apresentam melhores desempenhos acadêmicos. A metodologia de ensino entre os países também é diferente, o que faz com que tenhamos que nos adaptar a forma de aprender e ser avaliado.
Oestrangeiro: Você pode comentar sobre os resultados aguardados da sua pesquisa de doutorado e o que isso pode trazer de novidade para o campo da biotecnologia ambiental?
E.P: Meu trabalho é com microrganismos endofíticos, de forma geral, a relação simbiótica desses organismos com as plantas conferem benefícios, que poderão ser aproveitados numa produção agronômica de forma sustentável.
Oestrangeiro: Indo para a sua nomeação, você foi o primeiro haitiano a assumir alguma secretaria municipal de Maringá. Como chegou este convite até você?
E.P: Sempre estive envolvido em questões sociais na cidade de Maringá, na comunidade religiosa haitiana; na Associação de Estrangeiros de Maringá e região, atuando como intérprete voluntário em hospitais, CRAS, igrejas, Polícia Federal e Civil; nas Igrejas evangélicas e católicas; junto à Cáritas Maringá; também fui membro no comitê de migrantes de Maringá criado pela Prefeitura durante o primeiro mandato do Prefeito Ulisses Maia; sempre com o objetivo de promover a integração do migrante, a igualdade racial e facilitar o acesso deles aos seus direitos. Durante esse trabalho conheci o senhor Prefeito Ulisses Maia, que enxergou a possibilidade de juntos ampliarmos esse trabalho e assim surgiu o convite para assumir a Secretaria de Juventude e Cidadania.
Oestrangeiro: Qual o significado que esta nomeação tem para a cidade? Recentemente, houve um caso polêmico de agressão a dois imigrantes angolanos. Maringá ainda é uma cidade preconceituosa?
E.P: A Secretaria Municipal de Juventude e Cidadania tem como objetivo a elaboração de políticas públicas voltadas à juventude, igualdade racial, a diversidade e a cidadania em geral. A ocupação dessa vaga por um migrante negro haitiano reforça a intenção de promover essa integração e igualdade, a vivência é primordial para se conhecer as reais necessidades.
Oestrangeiro: Seus projetos à frente dessa secretaria estão voltados para a busca de empregabilidade de jovens. Nesse quesito, os jovens brasileiros e os estrangeiros estão vivendo as mesmas dificuldades?
E.P: A empregabilidade é um desafio para todos, jovens de baixa renda, negros, estrangeiros, índios, comunidade LGBTQIA+ e quilombolas. Ressalto que os estrangeiros têm a barreira da língua, do preconceito, e da qualificação, barreiras essas que temos a intenção de diminuir com nossas ações.
Oestrangeiro: Depois de uma década, que recado você daria para os imigrantes que estão chegando ao Brasil atualmente? Hoje, a grande maioria são venezuelanos, mas até meados da década foram os haitianos.
E.P: Tenham coragem. Há grandes desafios a serem vencidos, o Brasil oferece muitas oportunidades, se dediquem e busquem qualificações, estejam abertos a conhecer e viver em uma nova cultura com respeito e adaptação. Bem-vindos!

–
Otávio Ávila
Editor do oestrangeiro.org e pesquisador do Diaspotics