O livro infantil “A menina que abraça o vento – a história de uma refugiada congolesa”, da jornalista, escritora e integrante do grupo de pesquisa Diaspotics Fernanda Paraguassu, passou a integrar o projeto “Minha Biblioteca”, da prefeitura de São Paulo. A obra também está sendo usada no relançamento em formato online do programa “Refugiados nas Escolas”, da Cáritas RJ. Com mais de 230 mil exemplares vendidos, o projeto de contrapartida solidária da Editora Voo ajudará centenas de famílias refugiadas com recursos arrecadados a partir da venda do livro.

A história da menina Mersene, que fugiu da República Democrática do Congo para buscar refúgio no Brasil, chegou neste ano aos alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental de escolas do município de São Paulo. O livro “A menina que abraça o vento – a história de uma refugiada congolesa”, publicado pela Editora Voo, venceu o edital da Prefeitura de São Paulo para integrar o projeto “Minha Biblioteca”, que destina um espaço à promoção e à democratização da leitura na capital paulista. Em agosto, foi a vez também de alunos de escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro conhecerem a história de Mersene, por meio de outro projeto, o “Refugiados nas Escolas”, relançado em formato online pelo Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES) da Cáritas RJ.
Escrito por Fernanda Paraguassu e ilustrado por Suryara Bernardi, o livro foi lançado no fim de 2017 pela Vooinho, selo infantil da Editora Voo, durante uma campanha de financiamento coletivo e, aos poucos, foi conquistando leitores de várias idades em diferentes lugares. Até meados de 2021, foram vendidos mais de 230 mil exemplares. Parte da renda obtida com a venda do livro ajuda famílias em situação de refúgio no Rio de Janeiro, como resultado do projeto de contrapartida solidária “Um por um” da Editora Voo. Para cada exemplar vendido de A menina que abraça o vento, 5% da receita é revertida ao PARES Cáritas RJ. A autora também doa metade de seus direitos autorais para a instituição. A maior parte dos R$ 271 mil doados para a Cáritas RJ até o momento foi em 2021, durante a pandemia da Covid-19. Com os recursos ingressados neste ano, será possível beneficiar cerca de 200 famílias em situação de extrema vulnerabilidade com a compra de cestas básicas por três meses, e 100 famílias com auxílio emergencial no valor de R$ 400. “Essa grande doação certamente vai fazer muita diferença neste momento tão difícil de pandemia, especialmente para os refugiados, que vivem um contexto econômico muito grave, para além de todo medo e preocupações”, comenta Aline Thuller, coordenadora geral do PARES Cáritas RJ. “É um apoio que chega numa hora necessária e vai ajudar muito o trabalho que fazemos na Cáritas. Ficamos emocionados com esse projeto e com o apoio da editora e da própria autora.”

Inspiração em histórias reais
“A menina que abraça o vento” é inspirada em histórias reais de meninas refugiadas da República Democrática do Congo, que frequentavam a sede da Cáritas no Rio de Janeiro. Foi dali que a autora se inspirou para criar a protagonista Mersene, uma menina que fugiu dos conflitos em seu país e tenta driblar a saudade do pai que ficou para trás. O livro trata do conceito do refúgio ao mesmo tempo em que permite a identificação com a personagem, pois ela é apresentada como uma menina igual a tantas outras: uma criança que brinca e sonha, sempre em busca do afeto. “A falta de informação sobre o tema pode ser uma barreira para a integração das crianças refugiadas no país acolhedor e a literatura permite uma aproximação especial do leitor com a protagonista”, explica Fernanda. “A ideia da discussão levantada no livro é mostrar à criança o que é o mundo onde ela vive”. Por meio do exercício da empatia, as crianças conseguem entender melhor a temática do refúgio e se colocar no lugar de quem passa por diversas mudanças e tem que se adaptar. Tanto que o livro faz parte da retomada do projeto “Refugiados nas Escolas” da Cáritas RJ, que promove encontros entre refugiados e jovens para estimular a empatia e combater o preconceito e a xenofobia nas escolas do Rio de Janeiro, e já atingiu mais de 6,7 mil estudantes. “Esse projeto é uma forma de alcançarmos as futuras gerações, trabalhando com elas a importância da defesa dos direitos humanos”, destaca Aline Thüller, coordenadora geral do PARES Cáritas RJ.
A caminhada
Em quatro anos, o livro da Vooinho percorreu um longo caminho e fez parte de experiências criativas e inovadoras em escolas e eventos. Em 2018, foi da sala de leitura de uma escola pública no município fluminense de Itaguaí, passando por semanas literárias em escolas particulares da capital, até roda de leitura em evento sobre migrações e refúgio promovido pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH-UFRJ). Foi tema de trabalhos acadêmicos, como o artigo “Kombo na Ngaï Mersene: abordando migrações através da literatura infantil nos anos iniciais”, que tratou do uso do livro em aulas de Geografia na Educação Básica de uma escola pública em Florianópolis. “Após ouvirem a história de Mersene, as crianças tiveram uma percepção mais nítida sobre o lugar onde elas habitam e os problemas enfrentados pelos refugiados que chegam ao Brasil”, conta Gabrielle Rosinski, uma das quatro professoras da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) que assinam o artigo, apresentado no VII Encontro Nacional das Licenciaturas (ENALIC), em Fortaleza, no Ceará.
No ano seguinte, o livro ganhou adaptação em braile, criada artesanalmente pela pedagoga Gisela G. de Carvalho, que leciona no Instituto de Cegos Padre Chico, em São Paulo. Ultrapassou fronteiras durante o lançamento no VII Seminário Internacional de Estudos Fronteiriços, em Mato Grosso do Sul, em 2019, com a participação de professores que trabalham em regiões de fronteira na Bolívia e no México. No mesmo ano, foi tema de bate-papo na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a convite do Sesc e passou a integrar a BiblioSesc, um projeto de biblioteca itinerante que percorre o país com um acervo de mais de 3,5 mil livros. Foi ainda selecionado como destaque do mês de novembro para o Cantinho da Leitura do Itaú Cultural e vencedor do edital “Eu Faço Cultura”, realizado pela Secretaria Especial de Cultura do governo federal, que distribui gratuitamente produtos culturais em todo o Brasil.

Dados do refúgio
De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), cerca de 82 milhões de pessoas foram deslocadas à força de seus lares, e desse número aproximadamente 26,4 milhões ultrapassaram as fronteiras de seus países e estão no exterior em situação de refúgio. Crianças e jovens representam 42% desse total. No Brasil, há mais de 60 mil pessoas reconhecidas como refugiadas pelo governo. Desse total, 26 mil tiveram o refúgio concedido em 2020. De acordo com o ACNUR, a situação das crianças é preocupante. Antes da pandemia de Covid-19, uma criança refugiada tinha duas vezes mais chances de estar fora da escola do que outra não refugiada, sendo que as meninas têm ainda menos acesso à educação do que os meninos. Ainda segundo o ACNUR, com a pandemia, metade delas não voltará às salas de aula do Ensino Médio.