Na década de 50, no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, funcionou o conglomerado de fábricas ASPIC, iniciais de “Agrícola Santíssimo Pecuária Indústria e Comércio S.A.”, que acabou fechando as portas em 1962. Dentre as fábricas do conglomerado, a “Arte Cerâmica LTDA” era a responsável pela fabricação de cerâmica e porcelana. Em 1955, foram contratados para trabalhar na fábrica artesãos da cidade Japonesa de Arita, mundialmente conhecida como uma das capitais japonesas da porcelana (Imari, Kakiemon, Arita-yaki). Entre eles, estava meu avô e alguns outros membros da família.
Segundo meu pai, Ryoichi, meu avô veio em um grupo de 4 artesãos oridundos de Arita: ele, o sogro (especialista em torno e queima de forno), o cunhado (escultor e pintor) e o tio de minha avó (pintor). Apesar de ter vindo para trabalhar na parte de marcenaria (com visto de carpinteiro e trazendo ferramentas especializadas), acabou contratado como ceramista pela “Arte Cerâmica LTDA” e atuava também no acabamento e na pintura de porcelana. Esses imigrantes trouxeram consigo a influência da técnica e estética de sua terra natal.
Os objetos produzidos tinham como logomarca um “torii” (portal japonês em vermelho) com as iniciais “ASPIC” ao centro e “Arte Cerâmica LTDA” na parte de baixo. Uma outra tinha ramos de louros e as palavras “Santíssimo Porcelana” e T (em referência ao presidente). Ambas eram feitos em decalque.


Como os japoneses começaram a utilizar palavra em japonês “聖 山”, pronunciada “Sei-Zan” e traduzida como “Morro do Santíssimo ou Santíssimo”, no início foram assinadas assim e posteriormente foi incluído um carimbo redondo com as palavras “Ind. Brasileira” e “あるてせらみか” (pronúncia em japonês de “arte cerâmica”). “Acho que foi confeccionado pelo meu pai”, conta Ryoichi, que guarda com ele as falas de meu avô e a coleção de itens do conglomerado que conseguiu reunir ao longo dos anos.
A porcelana tem origens na China e supostamente teria chegado ao Japão através dos coreanos. A técnica de produção difere da argila pela alta temperatura da queima, o que produz um resultado mais delicado e resistente. Em Arita existiam depósitos, hoje esgotados, de uma argila ideal para a produção de porcelana da melhor qualidade, o que favoreceu o desenvolvimento nessa área. Esses itens eram escoados pelo porto de Imari, que também acabou sendo usado como referência aos produtos da região.


A cerâmica japonesa só veio a ser introduzida no Brasil no pós-Segunda Guerra. Isso pode ter a ver com as características socioeconômicas da primeira onda de imigração japonesa. Meus familiares, como muitos outros japoneses da segunda onda de migração, vieram não mais com foco para o campo, mas como mão de obra para a indústria brasileira, habitando principalmente os centros urbanos do país. Como já sabemos, trazendo consigo além da bagagem física, também a bagagem cultural e toda a arte e técnica desenvolvida por seus ancestrais no outro lado do mundo.

Sou colecionador e estava a procura de informações sobre a manufatura Aspic.
Tenho duas peças que trazem a logo com os caracteres japoneses e apenas uma tem o torii vermelho. Pensei que pudessem ser de origem estrangeira e em uma tivesse sido aplicada a logo do torii para ser vendida no Brasil.
Esse artigo veio em boa hora, agradeço.