Jornalista, escritora e pesquisadora do Diaspotics, Fernanda Paraguassu está lançando seu novo livro. Chamado Narrativas de infâncias refugiadas: a criança como protagonista da própria história, surgiu a partir da dissertação de mestrado defendida em 2021 na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação do professor Mohammed ElHajji, que também assina o prefácio da obra. A pesquisa, que conquistou o prêmio Compós de Teses e Dissertações no quesito Melhor Dissertação 2021, está sendo publicada em formato de livro pela editora Mauad; e a obra terá lançamento presencial no Rio de Janeiro, no dia 05 de outubro, das 19 às 21 horas na Blooks Livraria, localizada na Praia de Botafogo, n. 316. Narrativas de infâncias refugiadas é o primeiro título da coleção Renovação, que o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ está lançando com trabalhos de alunos premiados ou indicados a prêmios.

Em entrevista ao oestrangeiro.org, a autora conta sobre sua relação com a migração e o refúgio, as particularidades da migração infantil, o processo de pesquisa que resultou no livro e os próximos projetos. Confira:

O Estrangeiro: O livro aborda a questão migratória a partir de uma perspectiva diferente: o olhar e a sensibilidade infantil de crianças refugiadas. Como você se aproximou do tema da migração e mais especificamente da migração de crianças envolvidas em situação de refúgio?

Fernanda Paraguassu: Narrativas de infâncias refugiadas – a criança como protagonista da própria história é resultado do meu trabalho de mestrado, que teve como ponto de partida meu livro infantil A menina que abraça o vento – a história de uma refugiada congolesa. Inspirado em histórias reais de meninas que frequentavam a sede da Cáritas no Rio de Janeiro, o livro infantil teve como objetivo apresentar o tema do refúgio para as crianças. Muitas vezes, a falta de informação sobre o refúgio é uma das causas para as dificuldades de integração no país acolhedor e o próprio Unicef recomenda que os países que recebem refugiados devem disseminar informações sobre o tema. No meu trabalho de mestrado, a proposta foi compreender a percepção da criança refugiada sobre o processo migratório e oferecer um espaço de escuta sensível, que é um método que vai além de estar atento às palavras, mas também aos gestos, aos olhares, ao silêncio. 

OE: Como acha que as crianças nos ajudam a entender melhor a questão migratória transnacional?

FP: Há poucos trabalhos acadêmicos sobre crianças refugiadas e menos ainda com crianças refugiadas. Em geral, são estudos na área de Educação e Psicologia, em que elas aparecem como apêndices dos adultos e suas realidades costumam ser retratadas por meio de porta-vozes. Ao mesmo tempo, representam a metade dos refugiados no mundo. No Brasil, dados recentes do governo revelam que, no ano passado, 50,4% das pessoas reconhecidas como refugiadas eram crianças e adolescentes na faixa entre 5 e 14 anos de idade. Portanto, é muito importante conhecer a realidade dessas crianças por meio de sua própria perspectiva para que as políticas públicas que venham a ser construídas atendam às reais necessidades dessas crianças. 

OE: O livro foi feito a partir de um trabalho realizado com crianças refugiadas de distintas idades e nacionalidades. Como as diferentes idades e países de origem dessas crianças influenciam na experiência migratória no Brasil? Alguma faixa etária e/ou nacionalidade experimenta uma melhor integração à realidade brasileira? Que outros fatores podem influenciar nisso?

FP: Acredito que a dificuldade depende do tipo de acolhimento. Há escolas com aulas de reforço para quem vem de fora, com professores preparados para receber alunos que falam outro idioma. Isso faz uma clara diferença na adaptação escolar. A dificuldade para fazer laços de amizade com brasileiros fora da escola foi geral no meu trabalho. Talvez eu devesse voltar ao grupo de venezuelanos em outro momento. Muitos estavam aqui há poucos meses. No caso dos congoleses, que estavam há anos e falavam português perfeitamente, as crianças não conseguiram fazer amigos brasileiros. Chamou atenção o racismo sofrido pela menina congolesa. As amizades fora da escola são dos centros de apoio ou da igreja, onde se encontram com outros refugiados. Portanto, é possível se adaptar a questões como o novo idioma, a alimentação, o deslocamento em um novo lugar, mas quando não se encontra o afeto na amizade, é como se a integração não existisse. Ainda considero a falta de conhecimento e empatia como grande obstáculo nessa relação. É preciso preparar a sociedade que acolhe, não apenas em que questões administrativas, mas humanas. 

OE: Uma outra questão é que as crianças participantes do livro viviam em abrigos para refugiados em Pacaraima (Roraima) e na cidade do Rio de Janeiro. Como percebeu as diferenças entre as experiências migratórias nos dois espaços? O que significa ser uma criança refugiada no abrigo em Paracaima e o que significa ser uma criança em situação de refúgio no Rio de Janeiro?

FP: São dois tipos diferentes de fronteiras muito evidentes. Nos abrigos de Pacaraima, os refugiados convivem com o mesmo grupo social. Seguem no mesmo idioma, com pessoas na mesma situação, a comida vai até eles, os cartazes estão em espanhol, as autoridades se esforçam para se comunicar no idioma deles, há serviço de saúde para emergência, informação, recreação, mas estão afastados da vida social na cidade. Não há liberdade para se deslocar, a fronteira é visível ali. No Rio de Janeiro, a fronteira torna-se invisível. Existe uma liberdade para se deslocar, mas a integração é difícil.  

OE: Narrativas de infâncias refugiadas é marcado pela subjetividade e pela escuta sensível. Qual é a importância delas em um livro sobre migração e refúgio?

FP: A pesquisa com crianças refugiadas é duplamente delicada, pela situação de vulnerabilidade. Antes de ir a campo, submeti meu projeto ao comitê de ética do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, que foi aprovado sem ressalvas. Em Pacaraima, fiz uma observação empírica de grupo. Pela extrema situação de vulnerabilidade, não seria possível uma abordagem para assinarem termo de autorização para entrevistas, como requer uma pesquisa acadêmica. Não cabia isso ali. No Rio de Janeiro, o desafio foi diferente. Criei uma atividade lúdica de colagem para abordar a criança refugiada. Era um convite para ela construir o novo lar. Tinha uma casa de papel e várias imagens para ela colar e me dizer o motivo da escolha. Assim, ela ia contando seus encantamentos e estranhamentos. O interessante é que só entrava na casa aquilo de que gostava. Era o lar como reunião dos afetos. A escuta sensível permite ao pesquisador captar um monte de informação, indo além das palavras, respeitando as pausas, o silêncio, ou seja, respeitando a criança.

Capa do livro. Divulgação

OE: A obra é uma adaptação para o mercado editorial da dissertação de mestrado que, no ano passado, conquistou o prêmio Compós de Teses e Dissertações no quesito Melhor Dissertação 2021. Quais foram os desafios de transformar a dissertação em livro? E qual a importância de aproximar as reflexões acadêmicas do público em geral?

FP: A dissertação foi escrita de uma forma inovadora para o meio acadêmico. Recebi sinal verde do meu orientador, professor Mohammed ElHajji, e da banca de qualificação para fazer um texto mais solto, entremeando a prática com a teoria. Compilei os dados da atividade com as crianças em forma de histórias infantis. Como o objetivo não era a busca pela verdade, saíram histórias muito legais. Então já havia um texto mais desestruturado para o livro. Depois fiz alguns ajustes de formatação para seguir o padrão da editora. Considero muito importante o caminho de ampliar o público das reflexões acadêmicas. Afinal, nosso trabalho nas universidades é contribuir para o debate, para a construção de políticas públicas, para melhorias de qualidade de vida. 

OE: Este é o seu segundo livro; e no primeiro, chamado A menina que abraça o vento – a história de uma refugiada congolesa, você também aborda a migração infantil a partir da sensibilidade e do subjetivo. Pretende seguir esse caminho para os novos trabalhos? Está trabalhando em algum novo livro?

FP: Entre os dois livros, fui convidada para escrever o texto do livro infantil Possibilidades, também publicado pela Editora Vooinho. É o projeto da Natália Caldeira, com ilustrações lindas da Bárbara Corrêa, artista com a boca. São seis histórias reais de pessoas com algum tipo de deficiência. E a ideia não foi falar de superação, mas da busca por novos caminhos para seguir adiante. Não há jeito certo ou errado de fazer as coisas, mas o jeito de cada um. Tem personagens famosos, como o maestro João Carlos Martins, que tive a chance de conhecer pessoalmente outro dia junto com a Bárbara no Theatro Municipal aqui no Rio, a artista Mona Rikumbi, mulher negra, cadeirante, que tem uma energia incrível, e que conheci no lançamento do livro durante a última Bienal do Rio. Ela veio de São Paulo para fazer uma performance no evento. Tem ainda a história do migrante Maurício Dumbo, um atleta cego que veio de Angola. E depois voltou para seu país para rever a mãe. A Lueni Vilas disse que não tinha se dado conta de que tinha uma história linda até ler o texto no livro. Ouvir isso foi fantástico. Porque escrever histórias de vida é um desafio, é tenso. Tem que selecionar os trechos, respeitar os fatos e o personagem, e depois costurar tudo de uma forma compreensível para o público infantil, mantendo o sentido para quem viveu aquela história. O livro inteiro aborda a questão da pessoa com deficiência a partir do subjetivo e da sensibilidade. No momento, estou trabalhando na minha tese de doutorado sobre refugiados e estigma. É mais um campo fértil para a sensibilidade e o subjetivo, não acha?

Serviço:

Narrativas de infâncias refugiadas – a criança como protagonista da própria história

Fernanda Paraguassu

Ed. Mauad X

168 p.

Lançamento: 

5/10 – quarta-feira

19h – 21h

Livraria Blooks – Praia de Botafogo, 316, Rio de Janeiro