Conversamos com a ativista Maria Paula Botero sobre os projetos que a Rede MILBi+ está desenvolvendo sobre atendimento humanizado à população LGBTIQA+ migrante, em São Paulo e Rio de Janeiro.
A Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas, Bissexuais e Panssexuais (MILBi+) é um coletivo autônomo, autogestionado e apartidário de mulheres migrantes de diversos países. O coletivo surgiu em 2018, na cidade de São Paulo e, desde então, vem trabalhando com as questões de gênero, sexualidade e migração. Apesar de ter surgido na capital paulista, a Rede MILBi+ vem desenvolvendo ações em outras cidades do Brasil e, inclusive, em outros países, como parte da “Rede Regional de Proteção de Pessoas LGBTI+ em Situação de Mobilidade Humana da América Latina e o Caribe”. Algumas das atividades realizadas pela Rede MILBi+ giram em torno de mobilizações no espaço público, formações, rodas de conversa, debates e incidência nas políticas públicas municipais, estaduais e federais sobre temas de gênero, sexualidade e migração.
Nesta oportunidade, oestrangeiro.org conversou com Maria Paula Botero, migrante colombiana e integrante da Rede MILBi+, sobre uma série de atividades formativas que o coletivo realizou nos últimos meses: o ciclo de oficinas ‘Boas práticas para o atendimento humanizado da população migrante internacional LGBTIQA+’ e a criação do ‘Manual de atendimento humanizado da população migrante internacional LGBTIQA+’, que visam desenvolver estratégias para o atendimento humanizado a esta população.
Sobre o surgimento dos projetos, Maria Paula explica: “a gente começou a perceber, nesses anos de ativismo, que os lugares de atendimento não eram adequados para as pessoas LGBTIQA+ migrantes e refugiadas, inclusive pelas próprias experiências da Rede MILBi+. Esses espaços normalmente eram ou são muito violentos e hostis com pessoas que não são heterossexuais, que não assumem essa normatividade heterossexual”.
Boas práticas para o atendimento humanizado da população migrante internacional LGBTIQA+
A partir dessas percepções, surgiu o projeto de realização de um Ciclo de Oficinas formativas para pessoas que atuam tanto em instituições de atendimento a migrantes, como em instituições que atendem a população LGBTIQA+ e lideranças de movimentos sociais de migrantes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Escolheram esse direcionamento múltiplo, segundo a ativista, porque “os serviços que atendem migrantes têm a questão migratória na cabeça, os direitos, todo um conteúdo relacionado com a migração, mas que não se conecta com as questões da população LGBTIQA+. E por outra parte, tem as pessoas que trabalham nos serviços que atendem a população LGBTIQA+, mas sem um recorte migratório”.
Assim, o Ciclo aconteceu em agosto e outubro de 2021, de forma virtual, com o objetivo de “visibilizar a intersecção entre a migração e a questão LGBTIQA+ e como esse enfoque permite humanizar o atendimento, porque ao reconhecer as características da pessoa atendida — que é uma pessoa que sofre um tipo de opressão diferente de uma pessoa heterossexual, ou que performa a heterossexualidade–, se começam a reconhecer necessidades específicas para o atendimento”, de acordo com Maria Paula.
Para levar adiante o projeto, a Rede MILBi+ consolidou diversas parcerias: em São Paulo, com o coletivo Equipe de Base Warmis – Convergência das Culturas e com o Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante (CRAI) Oriana Jara; no Rio de Janeiro, com os coletivos LGBT+ Movimento e Magdas Migram.
Como relata a entrevistada, “os resultados desses ciclos de oficinas foram muito interessantes, porque a gente começou a perceber que as pessoas participantes não tinham conhecimentos básicos tanto da questão migratória quanto da questão LGBTIQA+ e muito menos desse cruzamento”. Além disso, as oficinas mostraram a necessidade de criar “mais espaços de formação com esse recorte, inclusive houve alguns feedbacks das pessoas pedindo mais instâncias, porque é uma realidade que está acontecendo nos serviços, onde cada vez mais chegam pessoas migrantes LGBTIQA+”.
Sobre os locais onde as oficinas foram realizadas, Maria Paula destaca que a participação foi diferente: “aqui em São Paulo, vieram muitas pessoas atendentes, funcionários, profissionais do atendimento de organizações e instituições que trabalham com migrantes e pouquíssimos de organizações que atendem a população LGBTIQA+. Então houve um recorte mais relacionado à migração. No Rio aconteceu o contrário, tinha mais organizações LGBTIQA+ do que organizações de migrantes. Então isso também reflete a forma em que se configuram as duas cidades”.
Ao final do Ciclo, a Rede Milbi+ criou uma “caixa de ferramentas” com a sistematização das discussões das oficinas que pode ser acessada no site da Rede.

Caixa de ferramentas no site. Imagem: Rede MILBi+
Manuais de atendimento humanizado da população migrante internacional LGBTIQA+
No entanto, uma das principais demandas surgidas a partir das oficinas guardou relação com os procedimentos. Segundo Maria Paula: “nas oficinas, nós passamos algumas orientações, algumas indicações, conversamos sobre atendimento humanizado, mas ficaram alguns vazios no sentido de ‘o que fazer?’ Então a gente percebeu a necessidade de criar um Manual que, levando em consideração que as questões migratórias e LGBTIQA+ são estruturais, considerasse questões fundamentais sobre cinco direitos: O Direito à Saúde, o Direito a Assistência Social, o Direito à Regularização Migratória, o Direito à Educação e Cultura e o Direito ao Trabalho”.
A construção do Manual está sendo realizada através de encontros online com especialistas, instituições, funcionários e funcionárias de serviços públicos que atendem a população migrantes e LGBTIQA+, coletivos e organizações de migrantes. Tal instrumento terá duas versões, um para São Paulo e outro para o Rio de Janeiro, considerando as especificidades de cada território.
Para Maria Paula, a construção dos manuais está sendo um desafio, mas: “a vantagem que a gente tem tido nesse processo, é que a gente tem conseguido consolidar parcerias com instituições da rede pública e com coletivos e organizações da sociedade civil; instituições que fazem tanto o atendimento direto, como outras que atuam na criação e implementação das políticas públicas para migrantes que estão trazendo esse olhar do campo, do que acontece no fluxo, nas redes que se constituem”.
A previsão é que os “Manuais de atendimento humanizado da população migrante internacional LGBTIQA+” sejam publicados no final deste ano (2022). De acordo com Maria Paula, a expectativa é “desenvolver recomendações sobre o que fazer em determinados casos, mas também é uma forma de apontar a necessidade de olhar para esse recorte de migração e sexualidade e visibilizar que precisamos falar sobre isso, que os espaços de atendimento não estão preparados para atender essas pessoas, ou que não existem as redes que permitam fazer o acompanhamento e o atendimento dessas especificidades”. Por fim, a ativista ressalta a importância destes processos que partem de um coletivo de mulheres migrantes lésbicas e bissexuais, ou seja, mulheres que têm esse lugar de fala.
Os materiais referentes a estas e outras atividades podem ser consultados aqui.
