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Kasato-Maru. Crédito: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

A imigração japonesa no Brasil completou 110 anos em junho, quando o navio Kasato-Maru desembarcou com quase 800 pessoas no porto de Santos. Mas o que fez dos japoneses terem importância na formação contemporânea do Brasil, que tanto privilegiou as políticas de branqueamento como traço identitário no período pós-escravagista?

Com a proibição do tráfico negreiro e a posterior Lei Áurea (1888), a demanda por mão-de-obra rural por parte dos proprietários de terras e as políticas de embranquecimento populacional empreendidas pelo governo incentivaram a chegada de europeus ao Brasil. No entanto, a insatisfação com a mão-de-obra do velho continente, impulsionada pela luta por direitos, fez a elite brasileira buscar soluções em outros lugares do mundo.

Como a massa de árabes e judeus no país se concentrava na área urbana e a experiência negativa com os chineses, estereotipados como preguiçosos, voltou-se aos japoneses a esperança de produtividade rural e a propagação da boa cultura no Brasil.

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Crédito: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

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É interessante pensar que cinco décadas antes do Kasato-Maru aportar em Santos, em 1908, o mundo ocidental tinha uma visão diferente do Japão. Em visita ao país, o Barão de Jaceguai (Artur da Motta Silva) disse:

“[…] os geógrafos e os publicitários do Ocidente viam os japoneses como uma raça desprezível, e neste curto lapso de tempo, esse povo vem nos assombrando com seu poder de assimilar tudo quanto tem de mais requintado a civilização europeia, nas letras, nas ciências, nas artes, nas indústrias, e até mesmo nas instituições políticas” (apud LESSER, 2014, p. 207)

E quando chegaram, os japoneses foram apresentados com aquilo que os europeus não cultivavam no trabalho. Apreço ao serviço, comportamento tranquilo e vontade de serem brasileiros. Muito elogiados pela limpeza, modernidade e progresso, os japoneses decepcionaram os exploradores ao demonstrarem comportamento similar aos outros imigrantes frente ao abuso que as propriedades agrícolas brasileiras tratavam seus trabalhadores. Fugindo para a cidade ou a outros países vizinhos, a falsa imagem sobre o Brasil também atingiu os imigrantes japoneses.

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Crédito: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

Nem por isso o fluxo foi interrompido, pois o laço já estava feito. Ao longo de quatro décadas o Japão desembarcou mais de 188 mil pessoas, sendo que entre 1924 a 1935 foi a segunda nação a produzir mais imigrantes no Brasil, atrás apenas de Portugal. Essa imigração distinguiu-se pela presença do governo japonês apoiando e acompanhando a vida dos seus cidadãos. Se haviam propagandas e patrocínios de palestras sobre o Brasil em suas cidades, igualmente se tornava necessário um cuidado diferenciado. Por isso, era comum presença de intérpretes, especialmente nos primeiros anos de imigração, e a remessa de livros educativos nas já criadas colônias japonesas, fruto desse cuidado com o povo. E dali saíram novos recursos que também beneficiariam o Brasil. O historiador americano, especialista em estudos sobre o Brasil, Jeffrey Lesser, explica um pouco sobre a formação das colônias:

“Quando uma comissão do governo japonês descobriu que mais da metade dos imigrantes vinha fugindo das fazendas um ano após sua chegada, empresas público-privadas japonesas, conjuntamente com o governo do estado de São Paulo, começaram a organizar colônias exclusivamente japonesas. Essas grandes glebas situavam-se em áreas consideradas inutilizáveis pelos fazendeiros brasileiros, interessados exclusivamente nas lavouras de café e algodão. Em 1917, grandes colônias japonesas vinham cultivando produtos novos, como seda e frutas. Em 1908, a safra brasileira de arroz não atendia sequer o consumo interno, mas, quinze anos mais tarde, o arroz havia se tornado um produto de exportação”. (p. 213).

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Crédito: Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil

Essa história é bastante rica. 110 anos depois, o empenho do governo japonês em dar garantias de boa vida aos seus nativos no Brasil é refletido nas diversas homenagens, especialmente no Paraná e São Paulo, polos dessa imigração. Cabe lembrar, no entanto, que este empenho tinha por objetivo fazer com que os emigrados não voltassem devido às pressões sobre a demografia rural japonesa, marcadas pelas flutuações do preço do arroz e do algodão, em um momento que o país se voltada à industrialização.

Essa é uma prova do intercâmbio produtivo entre as nações no século XX, quando as migrações se intensificaram no mundo. Mesmo com períodos de crise, como o das Guerras Mundiais, quando, no Brasil, a campanha nacionalista de Getúlio Vargas prejudicou a relação entre imigrantes e pátria, a cultura da mobilidade sobreviveu no processo irreversível da globalização.

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“Hoje, mais de 1,5 milhão de brasileiros se dizem de ascendência japonesa. O legado da produção agrícola local e da imagem do poderio mundial do Japão continuam fazendo com que boa parte da elite e do povo em geral vejam os imigrantes japoneses e seus descendentes como peças fundamentais na construção de um Brasil moderno (…) Hoje, os nipo-brasileiros podem ser encontrados em virtualmente todos os setores da sociedade brasileira, da política às forças armadas, das profissões liberais às artes e indústria”. (LESSER, 2014, p. 234).

Como mostra da interculturalidade presente, relembramos o desfile de Carnaval da escola de samba Porto da Pedra, em homenagem ao centenário da imigração japonesa, em 2008.

Dica: Visite o site do Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil. Vale a pena conferir!

Obs: Este artigo utilizou como referencial teórico o livro A invenção da brasilidade (2014), de Jeffrey Lesser.

Otávio Ávila