Ao longo da semana, publicamos textos relacionados ao trágico assassinato do jovem congolês Moïse Kabagambe. Na segunda-feira, abordamos a xenofobia seletiva existente na sociedade brasileira, e como isso afeta a vida de migrantes negros, pobres e de fenótipo indígena no Brasil. Na terça, listamos alguns casos recentes de violência contra migrantes e como essa triste realidade está intrinsecamente ligada à existência de precariedade que eles encontram quando chegam aqui. Lembramos aqui que a última semana também foi marcada por outro episódio de violência extrema, motivado por uma dívida de aluguel de 100 reais, e que culminou no assassinato do migrante venezuelano Marcelo Caraballo, de 21 anos. Hoje, selecionamos algumas falas de depoimentos que migrantes, mulheres e homens de distintos países, deram no ato do dia 05/02 na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. É importante ouvirmos o que eles têm a nos dizer.

O ato por Moïse
“Todos nós estamos aqui porque queremos a paz. Chega! Vida negra importa. A comunidade negra e imigrante quer a resposta para esses assassinos que mataram nosso irmão congolês.” Musipere, ator, República Democrática do Congo
“Eu lamento muito o ocorrido porque o objetivo deste ato, para nós, da comunidade congolesa em particular, e ainda da comunidade de imigrantes em geral, é pedir justiça para o nosso irmão Moïse. A gente não está aqui para briga…a gente não está aqui para criar confusão, porque nós somos da paz. Se fosse para criar confusão, a gente nem iria migrar, a gente iria ficar no nosso país, no Congo, onde está ocorrendo a guerra há mais de vinte anos.” Hortense, advogada e titular do Conselho Municipal de Imigrantes (CMI) da cidade de São Paulo, República Democrática do Congo.
(A declaração foi dada no quiosque Tropicália logo após um homem ter subido nele para tentar quebrar o toldo e ter provocado uma reação imediata da polícia, que veio a se posicionar no local em número intimidador e retirou o rapaz do local de forma violenta.)
“Após ver as cenas do que aconteceu aqui (no quiosque Tropicália), fiquei sem dormir durante a semana. Imaginei: ‘e se fosse o meu filho’?”. Darcy Lombe, engenheiro, República Democrática do Congo
“Na verdade, esse movimento se tornou um simbolismo. Mas não um simbolismo apenas abstrato, é um simbolismo mesmo prático para que realmente a vida dos imigrantes de certa forma seja evidenciada. Armindo de Jesus, sociólogo, Angola.
Por isso estamos aqui, para buscar justiça para ele. Porque ele não tem como se defender, mas nós temos”. Musipere
“E já que estão falando que o Moïse foi drogado, que o Moïse foi não sei o que… isso tudo é mentira, porque vocês estão querendo maquiar o cenário. Olha, tem aqui atrás de mim toda a segurança, mas o Moïse foi espancado aqui na frente de todos, e a poucos quilômetros está a residência presidencial do Brasil. É só hoje que nós vamos ter a segurança?”. Hortense
“E só hoje então ter segurança para esse quiosque? Chegou a segurança para dar pancada nos imigrantes aqui, tá bom? Para proteger o quiosque, para proteger o que que foi que o matou. O que que foi que tirou a vida do nosso irmão…”. Hortense
“Então nós estamos aqui realmente para reivindicar, para que haja políticas públicas efetivas”, para nós tentarmos mudar…”. Armindo de Jesus
“Ele morreu com fome, espancado, com tristeza…”. Darcy
Por que migrar?
“A gente iria continuar lá para brigar com quem está invadindo o Congo, com quem está fazendo a guerra no Congo, para quem está estuprando mulher congolesa, para quem está usando o estupro como arma de guerra. Mas se a gente migrou, é porque a gente não aguentou. Gente, é muito difícil, é muito dolorido. Imigrando em busca de paz, imigrando em busca de segurança, imigrando em busca de uma outra oportunidade, imigrando para querer construir…”. Hortense
“Eu saí realmente de Angola para buscar situações melhores, e foi através do estudo. Mas eu fugi de uma situação em Angola. Eu poderia me alistar no exército, que eu não queria. Então tive que realmente sair de Angola num período muito crítico, no ponto de vista de guerra civil, etc”. Armindo de Jesus
“Na guerra, em meu país, eu vi uma mulher grávida ser baleada. Eu tinha mais ou menos 17 anos e não consegui salvar ela.” Darcy
A recepção no Brasil
“Eu era estudante quando saí da minha terra. Cheguei no Brasil pedindo refúgio, com medo do presidente congolês, que matava muitos estudantes. A ONG pagou nossa passagem (da família e de conhecidos) pra gente ir para a África do Sul e, em seguida, para o Brasil. O funcionário do CONARE, após saber que cheguei de avião com a passagem paga pela ONG, disse: ‘Não, você não pode vir de avião. Você tem que vir de navio como todo mundo’… para ele, um refugiado tem que vir de navio”. Darcy
Aí, tive o pedido de refúgio rejeitado. Eu sofri, não tinha documento, não tinha nada…”. Darcy
A vida no país
“No meu bairro, eu sou visto como um ladrão, um perigoso”. Darcy
“A gente anda com muito medo, com muito medo. De ser atacado, ser confundido com um ladrão…”. Darcy
“Eu, como pai, olho para os meus filhos e não sei se eles que vão me enterrar, ou se eu que vou enterrar eles. Além dessa brutalidade, tem bala perdida, confusão, ser confundido com um ladrão… “. Darcy
“Porque os imigrantes, principalmente os imigrantes africanos, quando chegam ao Brasil, eles enfrentam muita dificuldade. Não estamos a falar da nação brasileira negando os imigrantes, não. A constituição brasileira é uma das mais bem elaboradas que existem no mundo. O problema são as relações práticas quando esses imigrantes tentam se inserir no mercado. O mercado muitas das vezes os rejeita, porque como sabemos, historicamente no Brasil, o Brasil foi constituído numa base hierárquica na perspectiva cultural. E isso ressoa até hoje, quando se trata de imigrantes pretos, e principalmente africanos. Então isso que aconteceu com Moïse, na verdade, é uma representação do que os negros e negras que atravessam o oceano atlântico, tentando a vida no Brasil, passam. Muitas das vezes não chegando a essa fatalidade de assassinato e morte, mas com discriminação, racismo, assédio moral, assédio sexual, principalmente quando fazemos um recorte de gênero nas imigrantes, das mulheres imigrantes africanas, que muitas já relataram de abusos sexuais em muitos lugares”. Armindo de Jesus


