Esse texto vai de encontro à proposta das segundas-feiras em trazer ao público leitor de oestrangeiro.org reflexões sobre as migrações amparadas pela teoria social do fenômeno e dará ênfase a aspectos factuais relevantes para os desdobramentos recentes. Ainda envolvidos pelo assassinato do jovem Moïse Kabagambe, 24, no dia 24/01 em um quiosque na orla da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, temos dado durante essas semanas atenção especial ao caso que envolve racismo e precarização absoluta do trabalhador, agravada pela origem estrangeira.
Embora os desdobramentos penais não tenham apresentado novidades depois da identificação e prisão dos assassinos, seria errôneo encerrar o debate e as reivindicações de um caso que nem de perto é isolado. Enquanto mobilizávamos por Moïse, Durval Teófilo, homem negro morto pelo próprio vizinho ao confundi-lo com um bandido, e Marcelo Larez, venezuelano assassinado com um tiro por causa de R$ 100, demonstram que o espancamento contra o congolês foi mais um capítulo da comum brutalidade que mantém a mira apontada a determinados ‘tipos’ humanos. Moïse também carregava consigo a identidade desses dois homens: a do homem negro e a do trabalhador migrante. Entre eles, uma semelhança: todos mortos em lugares de convívio pessoal. Que lugar é seguro, então?

Isso instiga a pensar que é oportuno para as comunidades migrantes se aproximarem aos movimentos de populações negras e organizações trabalhadoras, fortalecidas na luta ante a constância que seus signatários enfrentam, sem deixar sua identidade transnacional e sua cultura. Foi isso que vimos e absorvemos por centenas de metros naquele Posto 8 da Barra da Tijuca no primeiro fim de semana de fevereiro quando as performances africanas (por africanos) se apresentaram em simbiose com capoeiristas, travestis e transexuais, mães de santo e de Manguinhos, entre outras comunidades estudantis, partidárias e transnacionais presentes com suas bandeiras.
Foi também com esse amparo, porque as comunidades de migrantes recentes não têm representantes políticos eleitos, que a cidade de São Paulo conseguiu transformar mobilizações em um Conselho Municipal de Imigração, hoje sob a presidência de Hortence Mbuyi, compatriota de Moïse e que esteve no Rio exclusivamente para aproximar as lutas entre as maiores cidades do Brasil. O espalhamento de conselhos de migrantes é fundamental para projetar políticas públicas a essas comunidades de modo a tornar mais viável um horizonte de enfrentamento contra as violências cotidianas que exigem ultrapassar medidas compensatórias pontuais – ou pior, publicitárias – como a sugestão de entregar o lugar do assassinato para o sustento da família da vítima.

Desdobramento da política pública
E enquanto terminava de redigir este texto, os migrantes cariocas receberam a notícia que um Comitê Municipal Intersetorial de Políticas de Atenção às Pessoas Refugiadas, Imigrantes e Apátridas (COMPAR-Rio) foi instituído na cidade. Segundo consta no Diário Oficial do Município publicado nesta segunda-feira (DECRETO RIO Nº 50187 DE 11 DE FEVEREIRO DE 2022), o órgão tem caráter deliberativo e normativo e terá as seguintes atribuições (Art. 3º):
- planejar e implementar ações de defesa, promoção e divulgação das temáticas, no âmbito da Cidade do Rio de Janeiro;
- elaborar, implementar e monitorar o Plano Municipal Participativo de Políticas de Atenção às Pessoas Refugiadas, Imigrantes e Apátridas;
- integrar, continuamente, órgãos e entidades governamentais e não governamentais, em torno e ligados a temáticas;
- articular a celebração de convênios e parcerias com órgãos e entidades públicas, privadas e da sociedade civil, com vistas à promoção de projetos que atendam às demandas da população migrante no Rio de Janeiro;
- acompanhar e dar visibilidade às ações de cada instituição componente do Comitê na promoção, atendimento e articulação da rede de serviço aos migrantes;
- elaborar, viabilizar o acesso e implementação de políticas públicas em conjunto com a sociedade civil, por meio de ações coordenadas entre órgãos, entidades estatais, organizações internacionais e organizações não governamentais, que atendam a população migrante.
Apesar do avanço, a composição do Comitê apresentada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) não contempla a participação de comunidades migrantes, limitando o convite, como membros consultivos, a instituições de apoio (ACNUR, OIM, grupos acadêmicos e organizações do Terceiro Setor). Diferente, por exemplo, de São Paulo, cujo Conselho Municipal apresenta seis membros migrantes titulares e suplentes, além de dez organizações de apoio formadas por essas comunidades diaspóricas. Aguardar os desdobramentos.
1 mês sem Möise será lembrado por migrantes cariocas
No dia 24/02, quando completará 1 mês da morte de Moïse, amigos e familiares do congolês organizarão um evento cultural em sua memória, com lugar e programação ainda a serem definidos (mais informações por aqui e em breve). O pedido da mãe, Ivana Lay, foi apenas um: que não houvesse nenhum tipo de violência porque ela é o produto real da morte de seu filho. Contra a violência, poesia e música. A favor de Moïse, Durval e Marcelo, a união de estrangeiros, negros e pobres é o impulso para seguir em frente.
