A última live realizada pelo oestrangeiro.org no Facebook, no dia 24 de junho, teve como tema o Projeto de Lei 2699/2020, que trata da regularização temporária de migrantes no Brasil durante a pandemia com base no princípio de acolhimento humanitário. Ter a situação regularizada no país, entre outros direitos, permite ao estrangeiro pedir o auxílio emergencial liberado pelo Governo Federal durante a crise do novo coronavírus.

Nos surpreendeu a grande quantidade de cubanos participando da transmissão. Eles já estavam presentes nas transmissões anteriores, de maneira mais discreta. Porém, dessa vez, a comunidade deu indícios de ter uma organização política e midiática muito interessante: comentaram palavras de ordem sobre a #RegularizaçãoJá diversas vezes e fizeram perguntas aos debatedores, além de pedirem o direito de terem representantes deles discursando ao vivo na transmissão.

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Programa Mais Médicos/ Foto: Ministério da Saúde

Depois da live, analisei os comentários e os perfis de Facebook dos participantes do nosso debate. Para minha surpresa, interagiram conosco vários cubanos moradores do Brasil, que estão distribuídos espacialmente entre Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso e Distrito Federal. Embora atue diretamente com as migrações há pelo menos dois anos e conheça imigrantes, solicitantes de refúgio e refugiados de diversos lugares do mundo, ao longo do meu trajeto só havia conhecido pessoalmente uma cubana.

Um tema pouco estudado

Curioso com esse retorno do nosso público, busquei por trabalhos acadêmicos sobre imigração de cubanos para o Brasil. De acordo com a versão mais atualizada do relatório Refúgio em Números (4ª edição), documento elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve no país o reconhecimento de 45 refugiados cubanos, assim como mais de 2.700 solicitações de refúgio pelos nacionais do país caribenho apenas no ano de 2018. Entretanto, há muito poucos trabalhos acadêmicos sobre essa comunidade realizados no país.

Por que será? Levanto aqui algumas hipóteses. A primeira é relativa à complexidade de abordagem do tema da migração dos cubanos para o Brasil. Isso se dá principalmente por conta da falta de consenso da academia (e da população em geral) brasileira em relação à Revolução Cubana. Há quem considere o saldo da mudança política cubana positivo, e a Revolução bem-intencionada. Essas pessoas acreditam que o modelo de governo do país, desde a mudança de sistema político, a partir dos anos 1960, seja justificado pelos bons indicadores em saúde, educação e segurança de Cuba. E que o embargo econômico e o boicote político de diversos países são as principais razões pelas quais a qualidade de vida no país não é melhor. 

Há, também, quem discorde disso. Pessoas que acreditam na necessidade de uma maior abertura política e social do país, com mais liberdade social, econômica e empresarial. De qualquer forma, é muito difícil de realizar esse debate. Especialmente em tempos de polarização política, em que “vai pra Cuba!” se tornou uma forma de agredir pessoas com opiniões identificadas pelo enunciador como de “esquerda” – algo também cada vez mais difícil de se definir com honestidade intelectual em tempos de ascensão da extrema-direita no mundo.

Uma segunda hipótese é em relação à pouca visibilidade midiática dos cubanos. Nos últimos anos, muitos brasileiros passaram a acompanhar ou mesmo atuar de diferentes formas com os novos migrantes no país, principalmente por conta do bombardeamento de informações sobre o tema. O terremoto no Haiti, a Guerra da Síria e, mais recentemente, a crise na Venezuela, principalmente, são acontecimentos que estão presentes no imaginário das pessoas daqui. Por conta da grande quantidade de imigrantes desses locais que vêm chegando no Brasil, outros países com cifras também expressivas, embora levados em consideração, são menos lembrados, como por exemplo Senegal, República Democrática do Congo e Cuba.

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Alguns comentários dos cubanos na live / Reprodução (link)

A especificidade institucional dos cubanos

A terceira hipótese é sobre a condição institucional dos cubanos, algo diretamente relacionado à atuação deles em nossas redes no dia do debate sobre o PL 2699/2020. Por não fazerem parte do Mercosul (Mercado Comum do Sul), os nacionais de Cuba não têm garantidos os mesmos direitos de outros imigrantes latino-americanos que chegam no Brasil. Além disso, não têm nenhuma garantia jurídica como a dos haitianos e dos sírios, que têm vistos humanitários previstos em lei.

Portanto, o processo de regularização documental dos cubanos pode ser, do início ao fim, extremamente complexo. Ao mesmo tempo, a situação irregular também pode ser um fator que, além de impor a eles um menor acesso aos direitos básicos de um estrangeiro no Brasil, cria uma dificuldade maior de mapear e encontrar os membros dessas comunidades.

É imprescindível o diálogo dos brasileiros com os cubanos que aqui vivem. Tanto pelo lado da hospitalidade e da recepção dessas pessoas quanto para uma troca sobre política. Certamente o olhar de pessoas que viveram em um país tão peculiar do ponto de vista social e político pode acrescentar muito à polarização nossa de cada dia. 

 

João Paulo Rossini Coelho
Pesquisador do Diaspotics/UFRJ