Surgido na ilha de Okinawa, no Japão, o Karatê é uma arte migrante construída a partir de influências de artes marciais chinesas e da Índia antiga. Foi no século XX, com o estímulo do príncipe herdeiro, que a luta fixou novas raízes no Japão, onde se desenvolveu como desporto. Como modalidade esportiva, encontrou no Brasil solo fértil para sua evolução e a formação de grandes atletas.

O ex-presidente da Federação de Karatê Shotokan do Rio De Janeiro (JKS-RJ), Diogo Yoshida, conta que entre 1958 e 1959 desembarcaram em São Paulo, como agricultores, um grupo de imigrantes mestre de Karatê, dentre eles Sadamu Uriu, Yasutaka Tanaka, Tetsuma Higashino e Juichi Sagara. Em um primeiro momento, esses japoneses recém-chegados tinham que se preocupar com o sustento financeiro, não se interessando assim em difundir sua arte e se reunindo somente com o intuito de praticá-la. Apenas em 1962, Tanaka é convidado para dar aulas de Karatê no Rio De Janeiro, seguido pouco tempo depois por Uriu. Inicialmente, ambos dão aula na Kobukan, no Flamengo, a um grupo ainda pequeno de alunos. Mas, com o tempo, a prática se populariza e suas turmas ficam cheias. Alguns anos depois, Uriu é convidado para lecionar no Tijuca Atlético Clube. Em 1964, o mestre Uriu, com a ajuda de seus alunos, funda sua academia na Usina, a Shidokan. Posteriormente, em 1976, ele cria a academia Nihon Karatê Kyokai (NKK), considerada a sede da JKS-RJ – a entidade da Confederação Brasileira de Karatê Shotokan no Rio de Janeiro – local onde deu aulas até sua aposentadoria em 2018, deixando sua marca em território carioca.

Tanto Uriu como Tanaka cresceram em meio à Segunda Guerra Mundial e aprenderam o Karatê no Japão devastado do pós-guerra. Nesse contexto, a luta, a sobrevivência e a força possuem mais ênfase do que o desenvolvimento espiritual proposto por Funakoshi (considerado o pai do Karatê moderno). Com isso, a própria arte que os imigrantes trouxeram para o Brasil era um tanto rudimentar, comparada aos conhecimentos técnico-científicos atuais da modalidade. Além disso, a estatura média do japonês é menor do que a do brasileiro, o que fez com que a brutalidade dos treinos e das lutas fosse vista como necessária pelos treinadores no início da introdução do Karatê. Ao longo do tempo, os métodos pedagógicos e as próprias técnicas de luta evoluíram e os professores japoneses, que não possuíam nenhuma formação em saúde ou educação física, desenvolveram mais conhecimentos sobre as dinâmicas e mecânicas corporais, como explica Diogo Yoshida.
A língua foi uma grande barreira para a transmissão dos conhecimentos técnicos e filosóficos dos professores japoneses. Dessa maneira, esses conceitos acabaram se mistificando para a população local, uma vez que as bases para seu entendimento são comuns na tradição japonesa e na de outros países da Ásia, mas não para os povos ocidentais. Por isso, mais uma vez, sobressaiu-se a ênfase na prática esportiva, na luta em si e na manutenção da saúde, em detrimento de um ponto filosófico mais aprofundado.
O Karatê foi bem difundido no Rio de janeiro, principalmente pela WKF (World Karate Federation), que tem projetos dentro de vilas olímpicas e comunidades. Para Yoshida, além da formação de atletas, esses projetos transmitem para as pessoas algumas noções importantes como hierarquia, disciplina, honra e respeito. No geral, esses professores não têm uma formação tradicionalista e não são de origem asiática, e por isso a relação professor/ aluno não tem a mesma rigidez, propiciando uma dinâmica mais “despojada” mas ainda assim passando de alguma forma esses valores. Contudo, ele observa uma falta de asiáticos praticantes, principalmente nas federações com maiores números de inscritos, e pouca integração entre as associações nipônicas no Rio De Janeiro para a difusão das artes japonesas entre os imigrantes e seus descendentes.

Como lembra, o Karatê provavelmente veio ao Brasil bem antes da chegada de Sadamu Uriu ou Yasutaka Tanaka, uma vez que os primeiros navios com imigrantes japoneses e uchinanchus chegaram ao Brasil na primeira década do século XX. Contudo, sua transmissão era “secreta”, já que ainda era uma prática desconhecida pelo mundo. Portanto, o esforço de Uriu, Tanaka, Sagara e Higashino de viver do Karatê ao invés de trabalhar nos campos ou indústrias possibilitou essa difusão, organização e o desenvolvimento da modalidade em solo brasileiro quase que concomitantemente com o Japão. Ao longo de suas histórias esses mestres, que já nos deixaram, formaram milhares de faixas pretas, espalhando sua arte pelo Brasil e abrindo espaço para outros mestres japoneses como o atual presidente da JKA Brasil, Yoshizo Machida.

Fico estupefato em ver que ninguém se lembrou de Mitsusuki Harada sensei que fundou a primeira academia oficializada em São Paulo. Parabéns a todos os outros sensei que em muito contribuiram para a expansão desta nobre arte. OSS!!! Corrado Spallanzani.
Parabéns pela materia